Robinho: Justiça vai julgar pedido de prisão no Brasil?

Acusado de fatos que teriam ocorrido em 2013, o jogador brasileiro Robinho foi condenado na Itália a nove anos de prisão por violência sexual de grupo. A Corte de Cassação de Roma, que é a última instância, confirmou a decisão, que agora não comporta mais recurso.

Com isso surgiu a dúvida: Robinho será preso e cumprirá pena? Para sabermos, precisamos considerar alguns cenários.

Primeiramente, caso o jogador estivesse na Itália, certamente seria preso para início do cumprimento da pena, de acordo com as regras do país. Não há, nessa hipótese, alternativa ao cumprimento da pena, sobretudo em razão do esgotamento de recursos contra a sua condenação.

De outro lado, na hipótese do jogador estar em outro país também há a possibilidade de ser preso e extraditado para Itália, desde que esse país possua acordo de cooperação em matéria penal com a Itália e as suas regras locais permitam esse procedimento, que pode incluir outras exigências, além da necessidade de emissão de uma mandado de prisão internacional.

Caso o jogador ingresse nos países da União Europeia também poderá ser preso, por um procedimento que é simplificado e substituiu o processo de extradição. Nesse caso, bastará a expedição de uma MDE, ou seja, mandado de detenção europeu, que é um procedimento judicial simplificado, aplicável tanto para instauração de ações penais como execução de pena.

Parecia, tão logo foi transitada em julgada a condenação, pelas declarações nas mídias, que a Itália incluiria o nome do Robinho no sistema da Interpol como um red notice, gerando assim um alerta para todos os 195 países que atualmente fazem parte da organização de que há mandado de prisão contra o jogador, mas aparentemente isso ainda não ocorreu (em consulta feita em 17.02.23 não constava o registro: https://www.interpol.int/How-we-work/Notices/View-Red-Notices)

Mas a grande questão é: Robinho poderia ser extraditado do Brasil para Itália?

A resposta é simples: não. O Brasil, de acordo com a Constituição da República (artigo 5º. LI), não pode extraditar brasileiros natos, independentemente dos crimes que estejam sendo investigados ou pelos quais tenho sido condenado definitivamente.

No entanto, a impossibilidade de extradição não significa necessariamente que enquanto Robinho estiver no Brasil não poderá sofrer quaisquer das consequências da condenação da justiça italiana. 

Isso porque, em tese, poderia ocorrer o cumprimento da pena italiana no Brasil, ou seja, a transferência da execução da sua pena (TEP), para ser aplicada pela justiça brasileira.

Prisão de Robinho no Brasil, para o crime cometido na Itália

Essa possibilidade, no entanto, não é algo simples ou cuja ocorrência é automática. Ela exigirá uma tramitação por percurso repleto de curvas sinuosas, que inclusive podem apresentar desvios e obstáculos que não levem ao destino inicialmente traçado, que seria a prisão no Brasil. E exigirá sobretudo uma posição do STJ e do STF sobre a interpretação de alguns dispositivos legais.

O primeiro passo nesse procedimento seria a realização de pedido pelo Estado Italiano (via diplomática) ou pela própria justiça do país. O pedido da TEP (nesse caso passivo) deve ser apresentado no Brasil perante o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, (órgão da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça) que realiza um primeiro exame, chamado exame formal (para verificar se todos os pressupostos formais estão presentes) e somente depois esse pedido é encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça, que é o órgão responsável para julgar o pedido de homologação de sentença penal estrangeira no Brasil.

E aqui que o caso parece ter sido retomado recentemente, com a confirmação, do Ministro da Justiça, Flávio Dino, da apresentação de pedido pela justiça italiana. 

Mas para que o procedimento tenha efetividade, ou seja, possa trazer o que a justiça italiana busca, é fundamental entender como a legislação tratada essa possibilidade, ou seja, quais os requisitos precisam necessariamente estar presentes. E aqui, certamente, é que uma nova batalha poderá começar.

A Lei de Imigração (Lei 13.445/17) em seu capítulo VIII trata das medidas de cooperação, dedicando-se na seção I ao instituo da extradição e no II a chamada TEP (Transferência de Execução de Pena).

Ao tratar da extradição, a lei reforça evidentemente o que a constituição já garante, que é a impossibilidade de extradição de brasileiros natos. No entanto, ao tratar da TEP a primeira regra parece fazer crer que ela somente teria lugar nos casos em que couber também extradição executória.

Ou seja, TEP somente poderia ocorrer em casos em que caberia extradição e, como não há extradição de brasileiros natos, logo não poderia ocorrer a transferência de execução da pena. É um ponto delicado que certamente será explorado pela defesa de Robinho e que exigirá uma definição da jurisprudência e que poderá, de forma definitiva, colocar uma pá de cal sobre esse tema.

Superada esse primeiro ponto, dificílimo, diga-se de passagem, a lei de migração traz ainda outras requisitos para a TEP:

I – o condenado em território estrangeiro for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no Brasil;

II – a sentença tiver transitado em julgado;

III – a duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação;

IV – o fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambas as partes; e

V – houver tratado ou promessa de reciprocidade.

Diversos dos requisitos, a despeito da aparente simplicidade e clareza, são controvertidos, a começar pelo primeiro, cuja leitura poder sugerir ou reforçar o afastamento da sua incidência sobre brasileiros natos.

Os requisitos II e III são os mais simples, pois claramente presentes no caso Robinho. No entanto, o IV e o V também exigirão esforço interpretativo e enfrentamento pelos tribunais.

Vale dizer que quanto ao requisito do fato ser considerado crime nos dois países (IV), por mais que pareça simples, haverá uma necessária interpretação jurídica, que passará pela leitura cuidadosa de ambas as legislações (brasileira e italiana) e das penas estabelecidas. É claro que há diferença nas legislações e no próprio texto da lei, o que poderá ser alvo de embates, sobretudo pela defesa que deverá apontar as diferenças – sem falar no próprio procedimento do julgamento, que poderá igualmente ser algo de discussão.

Sobre a relação do Brasil e a Itália, em temas ligados ao direito penal, é verdade que existe um tratado de cooperação em material penal, que está em vigor desde 9 de julho de 1993. No entanto, o acordo tem um escopo muito específico, como é possível observar já da leitura do artigo 1o., que estabelece o objetivo da cooperação.

E aqui, novamente, um aspecto de impacto ao caso Robinho: a cooperação estabelecida pelo tratado não compreende a execução de medidas restritivas de liberdade pessoal e tampouco a execução de condenações.

E veja, ainda que se queria superar a lacuna do tratado, que não prevê a execução de medidas restritivas, com a assinatura de uma promessa de reciprocidade, haveria ainda a incidência da norma que exige para TEP a hipótese de cabimento de extradição executória – o que como mencionamos, não cabe no caso de Robinho, brasileiro nato.

Resumindo, quem achou que ouviu o apito final e que o resultado da partida estava decidido poder estar enganado, já que a prorrogação parece ter sido iniciada com a declaração de Flávio Dino. Agora é saber se o resultado será mantido ou teremos um novo direcionamento para essa questão polêmica.

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