Como tivemos a oportunidade de expor em outras oportunidades, o titular de direitos tutelados pela Propriedade Intelectual e a própria sociedade sofrem perdas imensuráveis com a usurpação de seus direitos. A famigerada “pirataria” ganha cada vez mais o status de “CRIME DO SÉCULO”, “CRIME RENTÁVEL”, sendo cada vez mais identificada como um verdadeiro negócio, cujo atrativo principal (e que lamentavelmente no Brasil não lhe é exclusividade) é a impunidade.
A par disso, a justificativa de que as penas culminadas para tais delitos são baixas, tem norteado as discussões sobre o tema, muito embora seja inegável o avanço no seu trato (e o termo trato inclui combate e conhecimento, como aquele feito com doentes), o que parece sinalizar que a forma de encarar essa especial e “pseudo-moderna” criminalidade tende a se descolar do conceito clássico de que a solução é apenas aumento de pena.
De todo modo, o tema desse pequeno escrito é tecer comentários sobre outro grande problema enfrentado na persecução criminal dos delitos contra a propriedade imaterial: a localização, identificação, citação dos infratores.
A bem da verdade, muitas vezes os titulares dos direitos violados buscam tão e somente a apreensão dos produtos que violam seus direitos, seja através de apreensões policiais, medidas cautelares judiciais ou mesmo ações cíveis, sem, no entanto traçarem as estratégias de como levar adiante a persecução.
Por outro lado (e aqui falamos apenas sobre os aspectos processuais penais) há que se reconhecer que os grandes focos de comércio de produtos piratas, como a famosa 25 de Março em São Paulo, são formados por pessoas “sem-face”, sem endereço, sem identidade e, em sua grande parte, por imigrantes, muitas vezes ilegais.
E mais, os negócios, ali, são como os desertos: mudam ao sabor do vento. E as pessoas, em função disso, conseguem, com facilidade ímpar, se manter invisíveis para as autoridade e reluzentes para os negócios ilegais.
Diante disso, o que vemos é que seja nas ações públicas, seja naquelas privadas, a dificuldade de localização dos envolvidos, após a realização de diligências de busca e apreensão é tarefa tortuosa, ingrata, penosa e muitas vezes sem qualquer sucesso.
Ao lado do ônus suportado pelas vítimas, que muitas vezes são as que desempenham o papel de mola propulsora da ação de combate à pirataria (arcando com os custos inerentes), mesmo em ações penais públicas incondicionadas, essa dificuldade em levar adiante o processo penal, desestimula a sua efetiva participação, moldando sua tarefa em tão e somente buscar a retirada de produtos falsificados do mercado.
Mas esse quadro pode e deve mudar.
A recente alteração promovida no Código de Processo Penal Brasileiro, que de forma copiosa trouxe à esfera penal a citação ficta, representa um instrumento de grande valia para alteração desse quadro.
De acordo com a nova redação do Código de Processo Penal (art. 362), o réu que estiver se ocultando, pode ser citado por hora certa, o que significa dizer que não mais será aplicado ao caso o art. 366 do CPP, que implicava na suspensão do prazo do processo e da prescrição.
O funcionamento da nova sistemática é simples: o oficial de justiça deve comparecer 03 vezes no endereço constante do mandato e não encontrando o réu, suspeitando que ele esteja se ocultando, deve intimar qualquer pessoa da família ou mesmo um vizinho, que no dia seguinte, em determinada hora, voltará para realizar a citação. Se no dia seguinte o réu não estiver presente, o oficial tentará obter a razão da ausência, dando-o por citado, deixando cópia da contrafé com a pessoa da família ou vizinho.
A lei exige ainda o envio de radiograma ou telegrama para cientificar o réu.
A grande virtude dessa nova sistemática é deixar de penalizar a sociedade pela reiterada “malandragem” do réu. Ou seja, se no passado essa tácita praticamente acabava com o processo (não na acepção jurídica, mas prática), agora não afastará o processo e mais do que isso, permitirá o seu prosseguimento.
Assim a amplitude e o alcance da medida, certamente, abarcarão “n” situações e amoldarão, com justeza, hipóteses que eram desfavoráveis à sociedade e vítimas.
No caso dos delitos contra a propriedade intelectual, especialmente aquelas condutas “obscuras”, dos grandes centros, de importadores inexistentes, imigrantes ilegais, pessoas sem lastro, que maliciosamente se esquivavam, essa nova regra se amolda com perfeição a mais eficaz forma de evitar o acumulo de processos sem solução, envolvendo casos de “pirataria”.
E claro que uma dúvida deve estar pairando no ar: o que é melhor, o processo suspenso pelo art.366 CPP (com a possibilidade de antecipação de provas) ou a continuidade, sem a presença do réu?
Sem nos debruçarmos sobre o tema com a profundidade necessária, basta dizer que com a suspensão, por estar o réu em LINS ou se esquivando da citação, na ordem prática, como afirmamos acima, o processo praticamente “morre”, especialmente para o réu.
A bem da verdade, quanto a suspensão do processo e do prazo prescricional, a despeito de parecer algo positivo, pois em tese o poder de punir continuaria ativo, vivo, o mundo real nos diz que não são feitos quaisquer esforços para dar seguimento ao caso e esse poder não passa de uma mera esperança. O processo fica praticamente trancafiado aguardando algum “deslize” (e há discussão sobre a possibilidade de decretação de prisão preventiva – especialmente em crimes contra a propriedade intelectual), prestigiando a “malandragem” do acusado.
Aliás, sobre a prescrição, conquanto a lei silencie quanto ao prazo de sua suspensão, a jurisprudência majoritária é no sentido de que a suspensão deve corresponder ao prazo prescricional do crime, calculado com base na pena máxima prevista. Assim, decorrido esse prazo, a prescrição voltaria a correr pelo tempo restante, até que ocorra a extinção da punibilidade pela prescrição.
Essa estratégia é, muitas vezes, utilizada por aqueles que se vêem envolvidos com crimes contra a propriedade intelectual. Eles se esquivam da citação, e mesmo quanto localizados, não são identificados (existem centenas de pequenos boxes, vendedores, ambulantes, sacoleiros, pequenos importadores, todas atuando de forma informal), por serem “sem face”, como dito. Assim, continuam vivendo na informalidade, no anonimato (ainda mais os imigrantes), sem qualquer risco de terem sua paz turbada.
Há casos, e o autor é testemunha, de pessoas que são réus em mais de meia dúzia de processos e, muito embora continuem atuando na mesma região, não são citados, muito embora sejam constantemente intimados por novas infrações a prestarem esclarecimentos nas delegacias de polícia.
Portanto, inegável reconhecer que a escusa do infrator passará a representar nítido prejuízo na medida em que o processo não será suspenso e sua defesa será conduzida por defensor que não terá qualquer informação sobre a sua versão dos fatos, limitando-se a atacar pontos genéricos, legais e informações engessadas do processo.
De tal forma, essa nova lei vem em boa hora, especialmente nos crimes contra a propriedade imaterial, onde praticamente todos os réus apesar continuarem no seu mundo paralelo, esquivam-se, furtam-se à citação.
Mas é evidente que para que haja a melhor exploração do seu conteúdo, mais do que conhecimento da letra da lei, será necessária a participação ativa da vítima, da autoridade policial que conduziu a apreensão e atuação esmerada do Sr. Meirinho.
Vejamos, mais uma vez, um caso de comerciante da região da 25 de março, que tem “um Box” em uma daquelas galerias que vendem produtos falsificados. No passado, o oficial de justiça se dirigia ao local, perguntava sobre o “fulano” e mesmo todos sabendo que ele continuava ali, exercendo sua atividade, a reposta era a de que ele não mais estava no local (resposta que muitas vezes era dada pelo próprio réu).
Naquela situação, não havia o que fazer. O oficial após tentativas certificava o famoso “LINS – Lugar Incerto e Não Sabido”, mesmo em caso do réu estar se ocultando, se furtando à citação. E ainda que assim certificasse, não alteraria o resultado final: aplicação do 366CPP, ou seja, suspensão do processo e da prescrição.
Assim, fosse esse ou aquele caso, o processo, na ordem prática, estava sendo sepultado, já que seria feita a citação por edital (alterando apenas os prazos em função de seu fundamento).
Mas hoje quer parecer que a situação é diferente e aqui mais uma vez polícia e vítima devem contribuir para maior efetividade do novo regramento.
A polícia, em primeiro lugar, deve sempre que ocorra a apreensão, conduzir os suspeitos até a delegacia, e não simplesmente deixar uma intimação para alguém que muitas vezes não tem identidade, ou ostenta apenas um pedido de visto permanente ou documento que o valha. Essa atitude, que lamentavelmente ainda ocorre, viabiliza o sumiço do suspeito, já que como sabemos, não há qualquer vínculo com o local ou os produtos que estava comercializando.
Já a vítima, quando estiver presente, deve exigir a identificação dos envolvidos, a ser realizada pela Autoridade Policial, com obtenção de todos os seus dados e consulta aos sistemas policiais, para garantir futura e eventual localização. E se o averiguado não possuir identificação civil, insistir para que a seja procedida a identificação datiloscópica.
Por outro lado, quando da expedição do mandado de citação, a vítima, que deve sempre acompanhar o processo, preferencialmente na condição de assistente da acusação, fornecer subsídios adicionais ao oficial de justiça.
Finalmente, em casos como o ilustrado acima, deve o oficial de justiça procurar o administrador do espaço, a fim de obter informações sobre o réu e, se verificar que aquele ainda permanece no local ou na região, tentar identificá-lo, mas não sendo possível, obedecendo ao rito processual, entregar contrafé ao administrador do espaço, dando o réu por citado.Somente o esmero no cumprimento do novo regramento e que trará os frutos pretendidos pelo legislador.